No universo cada vez mais dinâmico das fraudes digitais, uma nova modalidade vem ganhando espaço e preocupando autoridades, bancos e especialistas em segurança: as identidades sintéticas. Diferente da tradicional falsidade ideológica ou do roubo puro e simples de dados, essa fraude se baseia na criação de uma nova identidade, combinando informações reais com dados fictícios, tornando-se extremamente difícil de detectar.
O que são identidades sintéticas?
Uma identidade sintética é composta, por exemplo, de um CPF verdadeiro (geralmente pertencente a uma pessoa inativa, como uma criança ou um idoso) associado a um nome inventado, endereço falso e e-mail recém-criado. Com essa combinação, o fraudador simula ser uma pessoa legítima para abrir contas bancárias, contratar serviços de crédito e realizar transações financeiras, muitas vezes durante anos, sem ser descoberto.
Como esse tipo de golpe funciona?
O processo geralmente ocorre em etapas:
Coleta de dados reais — muitas vezes obtidos em vazamentos de dados ou na dark web;
Criação da identidade composta — cruzando esses dados com informações falsas;
Construção de histórico de crédito — a identidade é usada de forma “moderada” no início, pagando pequenas dívidas e ganhando confiabilidade;
Ataque final (bust-out) — após ganhar crédito, o fraudador faz empréstimos maiores, compras a prazo ou financiamentos, e então desaparece sem pagar.
O prejuízo não recai sobre uma vítima específica, como no caso de um CPF clonado, mas sim sobre instituições financeiras, que sofrem perdas bilionárias — e, indiretamente, os próprios consumidores, que arcam com os custos via aumento das taxas e juros.
Por que é difícil detectar?
A grande dificuldade em identificar identidades sintéticas está no fato de que ninguém reclama da fraude. Como a vítima (por exemplo, um recém-nascido cujo CPF foi usado) nem sabe que está sendo lesada, o golpe pode durar por anos. Além disso, muitas instituições não têm sistemas de checagem robustos o suficiente para cruzar dados que detectem inconsistências no comportamento da suposta “pessoa”.
Qual o papel do consumidor e do Judiciário?
Ainda que o principal alvo das identidades sintéticas sejam as instituições financeiras, há impacto direto para consumidores reais que têm seus dados usados indevidamente. Nesses casos, o Poder Judiciário deve estar preparado para:
- Reconhecer a inexistência de vínculo contratual em casos de uso fraudulento do CPF;
- Determinar a exclusão de registros indevidos em órgãos de proteção ao crédito;
- Garantir indenização por danos morais, quando houver impacto à imagem ou crédito da vítima, além de outras eventuais lesões a direitos da personalidade de consumidores.
As identidades sintéticas representam um novo desafio na era digital, exigindo respostas coordenadas entre tecnologia, direito e políticas públicas. O consumidor deve ficar atento aos seus dados e histórico financeiro — e o Judiciário precisa acompanhar as transformações desse novo cenário, garantindo proteção e responsabilização adequada.
Por Flávio Henrique Caetano de Paula Maimone